O DIA EM QUE VI A CARA DA MORTE
(PELA SEGUNDA VEZ)
Na escalada já me deparei com
muitos momentos de perigo, muitos momentos em que me expus ao risco além do
limite permitido, mas com certeza um dos momentos que ainda me tiram o sono foi
durante uma escalada a Via Visões Diferentes junto com um de meus grandes
companheiros de escalada, Joel Novo. Novamente com Joel Novo o mesmo que em
outubro de 1993 passei por outra situação similar.
Um pouco sobre a via onde ocorreu o incidente. Está via havia sido
conquistada no dia 09 de abril de 1995 pelo próprio Joel e por Dinei Costa e
contou ainda com a participação de Leandro Gama “Japão”. A via fica no Pico do Edifício de Pedra, um
dos gigantescos blocos de pedra existentes no Parque, bloco este que fica ao lado
da Pedra do Cão Sentado e sempre havia passado desapercebido por grande parte
dos escaladores, mas com a conquista desta via isso mudou um pouco. A via só
contava com uma repetição até o momento e foi 2 dias após a conquista,
repetição feita por mim e Leonardo Amorim da Silva. Nesta repetição trocamos a
urna e o livro que haviam sido deixados provisoriamente pelos
conquistadores. Joel e Dinei foram os
primeiros a escalarem o Pico do Edifício de Pedra (assim batizado pelo antigo
administrador do parque, Altir Forny Xavier), que contava ainda com uma outra
via iniciada por Japão e Márvio Klein de Oliveira e uma segunda via iniciada
por mim que nunca levei adiante.
André Rodrigues no cume do Edifício
de Pedra, após a 1ª repetição da via,
dias antes do grave incidente
O dia do incidente. No dia
18 de junho de 1995 pouco mais de 2 meses após a conquista da via e há
praticamente 18 anos atrás eu e Joel partimos rumo ao Parque de Furnas do
Catete para repetirmos está via novamente, queríamos que ela fosse frequentada
e como as opções de escaladas na época ainda eram escassas em Nova Friburgo,
uma nova via era muito bem vinda e queríamos repeti-la e divulga-la o máximo
possível. Outro incentivador para repetirmos a é que Joel precisava retirar um
friend que ficou agarrado na laca após a P1 e como tínhamos poucos equipamentos
nesta época estava fazendo falta para outras escaladas. Depois de uma caminha
de cerca de 25 minutos até a escondida base da via, nos equipamos e Joel
começou a guiar a via, com lances em livres e o primeiro grampo alto a via
requer uma atenção extra até que se faça a primeira costura, depois as
proteções estão bem colocadas. Após os lances em livre vem um artificial fixo e
um pequeno platô, onde Joel parou para me recolher. O grande problema deste
platô de parada é que o grampo fixado nele era de 3/8”, ou seja, um grampo que
naquela época já deveria ser intermediário estava em uma parada totalmente
aérea há mais de 25 metros de altura de um piso cheio de bicos de pedras. Bem
já não era a primeira vez que eu parava neste grampo e até este momento não me
passou nada de errado quanto a isto. Acabei de passar todo o equipamento que
havia recolhido para Joel e ele como queria guiar toda a via, não fiz questão
deixei que ele completasse a via guiando a segunda enfiada. Antes de se soltar
do grampo e fazer o lance lembro-me claramente dele falando: “ Este grampo de
½” está solto, preciso vir aqui para rebate-lo”. Sem problemas sabíamos que o
grampos estava solto era só não forcarmos o grampo para fora da rocha, como
trata-se de um lance em artificial onde se coloca um friend para se sair
escalando em livre pensamos que não havia problema, pois, um metro acima do
friend já havia outro grampo e o lance não é dos mais difíceis. Mas para minha
surpresa e não entendo ainda, Joel fez pressão para fora na hora de subir no
estribo para alcançar o friend que já estava na e voou... Instantaneamente
olhei para o grampo de 3/8” que agora se tornara o único elo que me prendia,
que prendia os quase 90kg de Joel em queda Fator 2 e nos separava de todos
aqueles blocos de pedra que estavam 25 metros abaixo de nós. Para meu espanto e
desespero vi o exato momento em que o grampo se entortou e encostou na rocha,
quando olho para baixo Joel está rindo e dando saltos na pedra, eu
desesperadamente grito com ele pelo menos umas 3 vezes mandando que ele se
costure no grampo próximo a ele, acho que depois do segundo grito ele entendeu
a gravidade da situação e se ancorou no grampo mais próximo e a meu pedido no
de baixo também. Sinceramente precisei de alguns segundos para recuperar o
fôlego e conseguir relaxar o suficiente para explicar a ele o que havia
acontecido realmente. Depois disso: Rappelamos. E não pensem que após este acontecido paramos de escalar, ao contrário, após rappelarmos a via e fomos repetir a Via Tradicional do Cão Sentado, ou seja, naquele momento preferimos não entendermos pelo que havíamos passado e preferimos continuar escalando como se nada houvesse acontecido.
Hoje 18 depois não é a primeira
vez que me pego pensando neste acontecimento que eu encaro como uma das vezes
que mais de perto vi a cara da morte e algumas conclusões precisam ser expostas:
1. Felizmente
a escalada em rocha tem evoluído e hoje é praticamente regra que toda parada
fixa seja com 2 grampos, principalmente se está parada for exposta ou o próximo
grampo for separado por um lance muito longo ou difícil.
2. Felizmente
o grampo de 3/8” estava muito bem batido e felizmente a solda do olhal também
suportou o peso.
3. No
dia 06 de agosto de 1995, Joel e Dinei retornaram a via e fixaram um novo
grampo de ½” no platô, além de fixarem o grampo que havia soltado da rocha.
4. Hoje
18 anos após o fato ainda me pego pensando na gravidade deste incidente e que
caso aquele grampo de 3/8” estivesse mal batido, tenho quase 100% de certeza
que eu não estaria aqui escrevendo está matéria no dia de hoje. Tenho usado
este incidente para melhorar sempre minha percepção de risco em todas as
escaladas e por muitas vezes me peguei me intrometendo em cordadas de
escaladores que eu nem conhecia direito, provavelmente alguns deles me
agradeceram, outros podem ter ficado chateados pela intromissão, porém, tenho a
certeza que sempre que necessário estarei me intrometendo, pois, nem sempre as
pessoas conseguem perceberem certos detalhes que podem fazer toda a diferença
entre a vida e a morte.
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