UMA MONTANHA E DOIS
ACIDENTES
Pico das Duas Pedras. Ainda do centro da cidade é possível ver o
cume das Duas Pedras. Com seus mais de 1400 metros de altitude é uma imponente
montanha e seu cume é acessado por uma escalaminhada, relativamente fácil tem
muitos lances variando entre o 1º e o 2º grau, normalmente é escalado sem
nenhum equipamento, pois, não é exposta e tem muitos gravatás e grandes moitas
que segurariam um eventual escorregão. Conforme se pode observar na foto abaixo
o caminho segue em direção a crista da montanha, até se chegar a um grande
teto, onde existem duas opções de subida, a direita por um costão de 2º grau ou
pela esquerda por um trepa-mato. Mais acima estes dois caminhos se reencontram
e seguem por uma trilha até o cume da pedra principal desta montanha.
Pico das Duas Pedras e o traçado usado para a escalaminhada.
Esta visão é do bairro Córrego D'Antas.
30 de setembro de 1990. Um grampo que se
solta. Não era a minha primeira escalada ao Pico das Duas Pedras, na
verdade nesta época frequentávamos bastante esta montanha, além da caminhada
ser incrível, a cidade ainda não tinha vias de escaladas e também quase não
tínhamos equipamentos, portanto precisávamos optar por caminhadas deste tipo.
Neste dia em mais uma caminhada pelo Centro Excursionista Friburguense,
tínhamos um grupo formado por sócios e convidados. O guia era meu primo Paulo
Braga Junior, além, dele participavam Leandro Gama “Japão”, Wandersom “Guga” e
Gustavo. Como sempre nos encontramos no Centro de Turismo, ponto tradicional de
encontro do CEF e fomos até a rodoviária urbana onde pegamos o ônibus em
direção a entrada da trilha. Após poucos metros em uma pequena mata, a
caminhada passa a ser feita sobre a rocha, inicialmente sem inclinação, mas com
o ganho de altitude também aumenta a inclinação. Quase toda a caminhada pode
ser feita bem próxima as grandes moitas de mato o que minimiza qualquer risco
de queda, com a rocha seca sempre aproveitamos para arriscar um pouco mais e
subimos por locais mais expostos um pouco. Como nossa ideia era fazer rappel
nas pedras do cume, tínhamos cordas e alguns poucos equipamentos, o que é bem
útil nesta caminhada em casa de chuva. Após duas horas de caminhada tranquilas
chegamos ao cume da pedra maior, com um visual incrível da cidade e região
descansamos e curtimos o contato com a natureza. Nesta época tínhamos muita
vontade em praticar o esporte e poucos equipamentos aliados a pouca experiência
e quase nenhuma noção de segurança, esta foi uma época em que contamos muito
com a sorte e por incrível que pareça ela esteve a nosso lado quase sempre.
Bem, após uma pausa, um lanche resolvemos começar a “brincar” no rappel da
pedra maior, fixamos as cordas nos antigos pontos de fixação do antigo cruzeiro
que existia neste cume. Um a um fomos descendo, sempre de forma precária, não
tínhamos Baudrier (cadeirinha), então improvisávamos com uma fita tubular, não tínhamos
equipamento de rappel, então descíamos com um “Yosemite” (sei que muitos
escaladores atuais nem sabem o que é, mas nós utilizamos dezenas de vezes
durante anos, desenvolvendo até técnicas para não perdermos mosquetões na hora
de desfazermos o aparato). Wandersom e Gustavo foram apenas para caminhada, mas
eu, Japão e Junior aproveitamos para fazer pelo menos 2 rappeis cada um. Já
satisfeitos com as descidas e depois de algumas subidas nesta montanha
finalmente nos viramos para a pedra menor e resolvemos que faríamos um rappel
de seu cume também. Para acessarmos este cume antes precisamos repetir uma via
da década de 50 conquista do escalador Hermano Fontão, trata-se de uma via com
3 ou 4 grampos em artificial, uma travessia e outro artificial para se chegar
ao cume da pedra. Após vencermos este lance eu retornei junto ao Junior para
mandarmos a corda para Japão montar o rappel. Por algum motivo antes de jogar a
corda para Japão eu conversei com Junior e o avisei que deixaria a corda fixada
onde estava e não jogaria a ponta para a outra pedra, lembro que houve alguma hesitação, mas a ideia foi aceita. Jogamos a corda para a outra pedra distante
uns 25 metros, o que não era problema, pois, com a corda de 50 metros teríamos
corda exata para montarmos o rappel na pedra menor, vale lembrar que ambas as
descidas são negativas. Japão ancorou a corda num antigo grampo fixado no cume
da pedra, eu realizei a primeira descida e fiquei aguardando o próximo, mas
para minha surpresa, Japão e Junior decidiram rappelarem juntos, até aí tudo
bem, afinal não seria o primeiro rappel que faríamos assim, me virei e desci
mais alguns metros pela trilha quando de repente vejo um vulto voando logo
atrás de mim, sem saber o que tinha acontecido vejo os dois pendurados na corda
já indo em encontro com a rocha onde fazíamos o rappel da pedra maior, alguns
segundos se passaram após eles se chocarem com a rocha até que eles fizeram um
sinal de tudo bem e terminaram a descida completamente assustados sem saber
exatamente o que havia acontecido. Após uma segunda avaliação e tirando o
grande susto constatamos que estavam bem e fomos ao cume da pedra saber o que
realmente havia acontecido. O antigo grampo não aguentou o peso e se soltou.
Neste momento nos entre olhamos e pensamos o que aconteceria se a corda tivesse
sido tirada do outro ponto de fixação, sem saber e sem ter noção no momento em
que resolvemos não desancorar a corda do primeiro rappel, evitamos um sério e
grave acidente, pois, a queda de ambos seria de pelo menos 20 metros de altura.
Passado o susto, ficou apenas a lembrança e o aprendizado.
Esq.: Wandersom "Guga", Paulo Braga Junior, Leandro Gama "Japão"
(ambos segurando o antigo grampo que se soltou) e André Rodrigues.
Como lembrança
levamos a foto acima e o grampo que atualmente não sei por onde anda. Na foto
acima e abaixo é ainda possível ver os poucos equipamentos que tínhamos na
época, todos estes na foto pertenciam ao Centro Excursionista Friburguense
quando de sua reativação em 1989.
Após o susto arrumamos nossos poucos equipamentos e nos
preparamos para a descida ainda "adrenados".
25 de novembro de 1990. Sebastião virou
“Bruxo”. Menos de dois meses após termos passado por esse grande susto no
Pico das Duas Pedras, marcamos outra excursão a este cume, desta vez além de
mim, estavam presente Leandro Gama “Japão” que nesta época era o cara mais
entusiasta do esporte na cidade, praticava o esporte com verdadeira prazer e
emoção o que muito me incentivou e me levou a realizar muitas das escaladas e
caminhadas que fiz neste período. Ainda completavam nosso grupo o jovem André
Ghizi de Mello e Sebastião Santos Penna, ambos haviam ingressado no Centro
Excursionista Friburguense havia pouco tempo. No dia anterior a nossa subida a
pedra havia chovido um pouco o que claro sabíamos que dificultaria a subida,
mas nem por isso desanimamos e como sempre nos encontramos e partimos para a
caminhada. Logo notamos que a pedra tinha algumas manchas de água escorrida,
mas seguimos pelo caminho que sempre fazíamos apenas nos desviando das manchas
de rocha molhada. Depois de 1 hora de caminhada eu no auge de meus 16 anos de
idade era o responsável pela caminhada e conversei com Japão e decidimos que
começaríamos a usar as cordas deste ponto em diante, pois, estava perigoso
devido aos vários veios de água escorrendo pela pedra e tendo em vista que
Ghizi e Sebastião tinham pouca experiência precisávamos garantir a segurança
dos dois. Tínhamos duas cordas e faríamos duas cordadas. Chegamos a um veio de
água com mais ou menos 2 metros de largura, Japão foi o primeiro a transpor o
veio e parou numa moita ao lado e começou a tirar uma das cordas da mochila,
logo depois Ghizi parou a seu lado. Eu passei pelo veio sem problemas também e
comecei a retirar a outra corda da mochila, Sebastião que vinha poucos metros
atrás e usava uma das botas clássicas da época uma “Regazone” pisou no lugar
errado e escorregou, escorregou, escorregou e não parava mais, no platô acima
nós 3 nos olhávamos e não sabíamos o que fazer, ouvíamos Sebastião dando
gemidos e gritos de desespero e não tínhamos o que fazer, depois de mais de 30
segundos de queda vemos uma grande moita cerca de 70 metros abaixo da gente se
mexendo e logo depois Sebastião ficando em pé, me lembro que neste momento Japão
deu um grito (Uhuuu) e perguntou se tinha sido legal que era para sair da
frente que ele também queria descer, neste momento Sebastião levanta seus braços
e não vemos mais sua blusa branca e sim todo um braço vermelho, escorria sangue
de todos os lugares de suas costas, pernas e braços. Rapidamente entendemos a
gravidade da situação e usamos as cordas para descermos até o local onde ele
estava. Avaliamos a situação e começamos a descida sempre utilizando as cordas
de apoio o próprio Sebastião precisava descer montanha abaixo, não tínhamos
equipamentos, hoje, imagino a dor que ele deva ter sentido nessas duas horas
que levamos de volta até o ponto de ônibus. Para os rappeis nas rampas iniciais
usávamos a técnica Comicci, fico imaginando agora o sofrimento dele tendo que
usar está técnica em seu corpo todo machucado. Por sorte ele estava de calça
jeans o que com certeza o protegeu bastante. A cada parada para um novo rappel
Sebastião soltava as duas frases: “Gato escaldado tem medo de água fria” e
“desculpa gente, estraguei o domingo de vocês”. Tirando toda a seriedade da
situação sempre ríamos dele nesses momentos e o acalmávamos dizendo que isso
não importava. O que queríamos era leva-lo o mais rápido para o Pronto Socorro.
Lembrem-se que nesta época os telefones celulares ainda não existiam então
tínhamos que dar nosso jeito. E demos, pegamos o primeiro ônibus em direção ao
centro da cidade, Sebastião estava em pé e pingava sangue de seus braços,
algumas senhoras passaram mal dentro do ônibus com tal situação. Chegamos ao
pronto socorro onde prontamente ele foi atendido. Enquanto ele era atendido
ligamos para a família de Sebastião e avisamos do ocorrido, esperamos que eles
chegassem ao hospital, ouvimos algumas indagações, demos explicações e
terminamos nosso domingo com um alívio por nada mais grave ter acontecido.
Tempos depois
e já recuperado Sebastião me contou que ao chegar na sala de curativos a
enfermeira primeiro olhou e pediu a ele para tirar a camisa, depois de avaliar
melhor ela disse para tirar toda a roupa, pois, precisaria fazer curativos em
todo seu corpo. Ele me disse que foi bem dolorido e que precisou passar 15 dias
praticamente deitado se recuperando do acidente. Para nossa alegria, após
recuperado Sebastião retornou ao CEF e juntos fizemos grandes escaladas, mas
agora não era mais o Sebastião que nos acompanhava e sim o BRUXO, apelido que
ganhou após ter sobrevivido a esta queda de 70 metros. Em 03 de março de 1991,
Bruxo fazia sua primeira escalada junto a mim, no Pico do Charuto e na Pedra do
Cão Sentado e menos de um ano depois do acidente e quase
como um presente de “segundo aniversário”, eu, Bruxo e Japão escalávamos pela
primeira vez o Dedo de Deus.
15 de novembro de 1991, Sebastião "Bruxo" e André
Rodrigues durante escalada ao Dedo de Deus.
Meu orgulho!
ResponderExcluirVocê é que é meu orgulho filho !
ExcluirManeira está lembrança, já de vão 27 anos...
Excluir27 anos que se passaram rápido "Bruxo"... Apesar disso ainda lembro de cada um destes momentos. Desde sua queda, nossa descida e também de nossas escaladas posteriormente, principalmente nossa primeira escalada ao Dedo de Deus. Espero te ver novamente nas montanhas. Grande abraço!
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