domingo, 2 de junho de 2013

A Cara da Morte - 1


O DIA EM QUE VI A CARA DA MORTE
 
(PELA PRIMEIRA VEZ)

 

Dias antes. No dia 24 de outubro de 1993 escalamos a Face Leste do Pico Maior, foram duas cordadas uma formada por mim e Dário do Nascimento (foto: Dário e André no cume do Pico Maior) e a outra por Joel Novo e Leonardo Amorim da Silva. (Nem sabíamos neste dia, mas nos tornaríamos 4 dos nomes mais importantes da escalada friburguense nos anos seguintes com diversas conquistas e viagens a Alta Montanha.) Cito esta escalada, pois, tudo começou neste dia ao chegarmos ao cume do Pico Maior, após comemorarmos o fato de Dário chegar pela primeira vez a este cume, Joel resolveu retirar uma corda que estava fixa na parte final da via (ainda em conquista) Filhos da Terra, essa retirada foi feita a pedido de Leandro Gama “Japão” um dos conquistadores da via. A corda havia passado mais de um ano pendurada na montanha com uma marreta de 1 kg em sua ponta, ou seja, além de toda a ação do sol ela ainda estava sofrendo lentamente com a ação da marreta esticando-a. Retirada e guardada a corda, rappelamos o Pico Maior e retornamos para Nova Friburgo.

 

Phobus e a corda rangendo. Dia 27 de outubro de 1993, ou seja 3 dias após retirarmos a corda do Pico Maior a pedido de Joel, resolvemos testar a corda, mas resolvemos testar a corda logo na via Phobus, uma linda fenda que na época havia sido conquista com dezenas de grampos, mas que ainda sim era uma escalada aérea e totalmente exposta, seu livro de cume estava há mais de 100 metros em desnível da base e sua parede totalmente em 90º. Nesta época tínhamos cordas dinâmicas há pouco mais de 6 meses, então para nós utilizarmos uma corda “bacalhau” e que havia passado mais de ano numa montanha não parecia ser problema algum. Então após nos encordarmos e Joel guiar a primeira enfiada até a saída do teto eu comecei a perceber algo de estranho na corda, ela estava dura. Ignorei assim como Joel este fato e continuamos a escalada normalmente. Joel armou a segurança e me recolheu até a entrada do teto onde armei a segurança para ele continuar a escalada (foto: André fazendo a segurança para Joel). Neste momento começamos a comentar o estado da corda e o barulho que ela fazia ao passar no Oito (equipamento de segurança utilizado na época), já não sabíamos o que fazer, depois de alguma conversa e de estarmos quase na metade da escalada resolvemos continuarmos até o final, pois, a chance de uma queda eram mínimas dada a grande quantidade de grampos da via. Era um artificial e chegamos ao livro de cume sem problemas. Neste momento já pensávamos seriamente no que estávamos fazendo e quais poderiam ser as consequências deste ato, porém, não havia mais volta, precisávamos encarar o rappel de quase 100 metros numa parede de 90º com uma corda que no mínimo estava muito ruim. Não tínhamos nenhuma outra corda e precisaríamos fazer 5 rappeis até a base da via. Claro, não preciso falar que cada metro que descíamos era um frio no estomago, pavor, e uma certa taquicardia, pois, o barulho da corda passando pelos equipamentos era assustador. Felizmente depois de muita tensão e adrenalina chegamos sãos e salvos na base da via, a corda, claro foi para o lixo.
 
 
  Enquanto assinava o livro de cume, pensava seriamente nos
próximos 5 rappeis que precisávamos encarar.

Apesar de não ter acontecido nenhum incidente, para mim hoje, quando penso nesta situação não consigo pensar em outra coisa a não ser em um incidente que poderia ter ocasionado um acidente fatal, pois, de qualquer ponto que sofrêssemos uma queda decorrente do rompimento da corda, esta queda seria fatal, não haveria segunda chance para quem estivesse rappelando. Para quem ficasse preso a rocha restaria o desespero de estar preso a um grampo e só restariam 2 alternativas: esperar por um resgate que em 1993 poderia demorar dias, pois, quase não haviam escaladores e seria preciso que alguém ouvisse os gritos desta via que não é próxima da trilha principal, afinal os telefones celulares ainda não existiam, ou ainda tentar descer grampo a grampo com algumas fitas, mas, mesmo com todos os grampos da via, isso provavelmente não seria possível.
 

O fato é que felizmente eu e Joel tivemos muita sorte neste dia.

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