terça-feira, 4 de junho de 2013

A Cara da Morte 3


O DIA EM QUE VI A CARA DA MORTE
(PELA TERCEIRA VEZ)
 

 

Acidentes de Bike. Apesar de já ter sofrido 2 graves acidentes de bicicleta, a primeira vez em 1986 quando caí de bike e quebrei alguns de meus dentes e em julho 1996 quando resolvi da noite para o dia fazer uma viagem de bike até Rio das Ostras e fui “atropelado” por um cachorro que entrou na roda dianteira de minha bike poucos quilômetros antes de lumiar. Este segundo acidente me rendeu 2 pinos de platina no pé direito e 4 meses de recuperação e muita fisioterapia. Além de cicatrizes no rosto e mão que tenho até os dias de hoje.



André Rodrigues horas depois de seu acidente de bike em 1996,
4 meses de recuperação e dois pinos no pé direito.
 
Mesmo com esses dois graves acidentes nunca os encarei como momentos em que tenha visto a morte tão de perto quanto o que aconteceu em 27 de dezembro de 1999 quando eu tentava escalar o Monte Aconcágua.

 
Dias antes.  Já estava na montanha haviam quase duas semanas, já estava bem aclimatado  e dias antes havia chegado há mais de 6100 metros de altitude em minha primeira tentativa de chegar ao cume do Aconcágua nesta temporada, mas devido aos fortíssimos ventos que me impediam até de respirar direito, fui obrigado a desistir da tentativa e retornar ao Campo de Nido de Condores, ponto de onde havia começado meu ataque ao cume. Nesta primeira tentativa eu estava usando a barraca de dois escaladores canadenses que havia conhecido ainda na entrada do parque e que juntos fizemos toda a aclimatação, porém, como eles tinham pouco tempo decidiram ir embora e eu claro continuei na montanha, mas, como eu não tinha uma barraca adequada para os fortes ventos dos campos superiores decidi permanecer no Campo Base de Plaza de Mulas e depois de 3 dias descansando resolvi atacar o cume desde Plaza em um único dia.

27 de dezembro de 1999 (01h da madrugada). Acordo neste dia realmente disposto a chegar aos 6.959 metros de altitude do Monte Aconcágua, mas, eu estava há pouco mais de 4.400 metros de altitude, ou seja, tinha que vencer um desnível de 2.500 metros em um único dia e retornar. Preparei meu equipamento, minha mochila de 70 litros com um saco de dormir -5ºC, dentro dele uma garrafa de água para não congelar, um cantil térmico, alguns alimentos, roupa extra, pilhas extras, câmera fotográfica e no final tinha uma mochila pesando algo em torno dos seus 12kg. Após um lanche e já por volta de 2 horas da madrugada deixei minha barraca em direção ao cume, neste momento eu assumia um grande risco, pois,  não havia ninguém naquele acampamento que sabia o que eu estava fazendo, ou seja, eu estava totalmente sozinho na montanha. Mesmo essa parte da trilha pode ser perigosa, mas, sem problemas fui subindo lentamente em direção ao Campo Canadá que está há mais de 4.800 metros de altitude, passei direto por Canadá e continuei em direção ao acampamento de Cambio de Pendientes há 5.200 metros. Neste local já com o dia amanhecendo eu sabia que já estava atrasado para o ataque ao cume, pois, na verdade eu precisa estar há seis mil metros pelo menos. Tudo bem descansei, recuperei o fôlego e em mais uma escolha perigosa resolvi subir direto pelo Gran Acarreo, ou seja, eu não passaria pelos acampamentos de Nido de Condores e Berlim e mais uma vez estaria escolhendo o maior risco de todos, estar totalmente sozinho em uma montanha da dimensão do Aconcágua sem que ninguém soubesse o que eu estava fazendo ou se quer onde eu estava. A princípio a escolha do Gran Acarreo me pareceu uma solução muito boa para economizar tempo afinal eu iria direto até a grande travessia, era linha reta, não havia motivos para ter nada de errado. Aos poucos fui ganhando altitude e em pouco tempo já havia ultrapassado Nido de Condores e podia ver o acampamento e todas suas barracas ficando para trás, uma sensação boa, uma sensação de conquista, aos pouco já imaginava que estava me aproximando de Berlim e pelo ganho de altitude com certeza em pouco tempo também ultrapassei este acampamento. Neste momento começo a observar uma outra dificuldade a inclinação do Gran Acarreo começa a aumentar abruptamente e cada passo se torna mais e mais difícil e sinceramente o mais correto seria ter descido, mas, a minha vontade de chegar ao cume era muito maior e ele estava cada vez mais próximo, eu quase podia tocar na Canaleta final do Aconcágua, o que fazer? Continuei montanha acima, agora com neve resolvi colocar os grampos nas botas, parei para um descanso e pude observar Nido de Condores muito abaixo de mim, calculava estar há mais de 6.300 metros de altitude, um ganho considerável, mas agora o caminho que eu havia escolhido se tornará cada vez mais inclinado e cada vez pior para continuar a subida. Lembro-me que cada vez a travessia estava mais próxima de mim, porém, neste mesmo instante eu percebi que seria impossível chegar até ela por onde eu estava, a inclinação já era muito e para cada passo adiante eu voltava outro, era extremamente cansativo continuar brigando com todos aqueles pequenos blocos de pedras soltos naquela pendente da montanha. Mais uma vez tomei outra decisão que poderia ter me custado a vida, pois, ao invés de descer, resolvi fazer uma arriscada travessia por um bloco de pedra sem se quer saber onde ela chegaria, apenas usei a intuição imaginando que indo para minha esquerda eu sairia exatamente na trilha normal do Aconcágua. Mais um vez um grave erro que poderia ter tido um sério preço. Ainda com os grampos nos pés e com bastões nas mãos comecei a travessia por um gigantesco pilar com quase 100 metros de altura, para meu desespero quase tudo em que eu segurava se desprendia, ou seja, todo o Pilar era formado por diversos blocos de pedra soltos, aos poucos fui ganhando mais altura e me distanciando do Gran Acarreo sem saber onde iria chegar, a certo momento tendo que parar e controlar minha respiração para conseguir continuar, já me negava a olhar para baixo e ver a que altura eu estava e o quanto eu cairia caso eu me segurasse no lugar errado. Respirei, me concentrei e continuei por esse caminho que poderia me levar a qualquer lugar, eu não tinha a menor ideia de onde seria. Subindo aos poucos, devagar e com toda atenção finalmente rodeei todo o pilar e cheguei ao Refúgio Independência há quase 6.400 metros de altitude, mas antes de chegar a trilha normal ainda precisei fazer mais uma passagem delicada que agora parecia fácil. Vencido o ultimo obstáculo, havia chegado ao Refúgio parcialmente destruído de independência, dentro um marco com o nome de todos os soldados que haviam morrido na guerra das Malvinas em 1982. Sem muito tempo a perder, descansei, me hidratei e continuei minha subida ao cume, já era tarde e as chances que eu tinha de fazer cume se acabaram por volta dos 6.500 metros quando já não havia mais ninguém subindo a montanha e em meu relógio já marcavam mais de 16 horas, eu ainda tinha algumas horas até o cume e resolvi retornar para Plaza de Mulas, foi uma grande caminhada de descida e só cheguei a minha barraca por volta das 22 horas, exausto, deitei e dormi.
 
 
 
Cambio de Pendientes e um antigo refúgio
destruído vistos do Gran Acarreo.

 
 
 Antes de iniciar a perigosa travessia, uma pausa
para o descanso e quem sabe para ultima foto.

 
 
Visão parcial do grande pilar que tive que contornar, sua
rocha quebradiça se transformou num grande desafio.


 
Do ponto onde iniciei a travessia era possível
ver a parte final da escalada ao Aconcágua.

 

Dias seguintes. Muitas emoções se seguiram nos dias seguintes a este episódio, eu fiz uma nova tentativa de cume no dia 29 sem sucesso, cheguei a 6.700 metros quando uma tempestade se aproximou da montanha. Foi somente no dia 07 de janeiro de 2000 que eu finalmente consegui chegar aos 6.959 metros de altitude do Monte Aconcágua, mas toda essa aventura deixo para outra oportunidade.

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