segunda-feira, 3 de junho de 2013

1 Montanha e 2 Acidentes


UMA MONTANHA E DOIS ACIDENTES

A história de 2 graves acidentes em 1990 


           Pico das Duas Pedras. Ainda do centro da cidade é possível ver o cume das Duas Pedras. Com seus mais de 1400 metros de altitude é uma imponente montanha e seu cume é acessado por uma escalaminhada, relativamente fácil tem muitos lances variando entre o 1º e o 2º grau, normalmente é escalado sem nenhum equipamento, pois, não é exposta e tem muitos gravatás e grandes moitas que segurariam um eventual escorregão. Conforme se pode observar na foto abaixo o caminho segue em direção a crista da montanha, até se chegar a um grande teto, onde existem duas opções de subida, a direita por um costão de 2º grau ou pela esquerda por um trepa-mato. Mais acima estes dois caminhos se reencontram e seguem por uma trilha até o cume da pedra principal desta montanha.


Pico das Duas Pedras e o traçado usado para a escalaminhada.
Esta visão é do bairro Córrego D'Antas.


             Equívoco. Muitos friburguenses, mesmo os escaladores acreditam que Duas Pedras se deve a duas montanhas diferentes, mas, isso é apenas um equívoco. O Pico das Duas Pedras é uma montanha e a Pedra da Cascata onde foi registrada uma das primeiras escaladas em Nova Friburgo é outra montanha. Apesar de serem vistas do centro da cidade, ambas são acessadas pelo bairro do Córrego D’Antas na estrada RJ-130 (Nova Friburgo x Teresópolis).

30 de setembro de 1990. Um grampo que se solta. Não era a minha primeira escalada ao Pico das Duas Pedras, na verdade nesta época frequentávamos bastante esta montanha, além da caminhada ser incrível, a cidade ainda não tinha vias de escaladas e também quase não tínhamos equipamentos, portanto precisávamos optar por caminhadas deste tipo. Neste dia em mais uma caminhada pelo Centro Excursionista Friburguense, tínhamos um grupo formado por sócios e convidados. O guia era meu primo Paulo Braga Junior, além, dele participavam Leandro Gama “Japão”, Wandersom “Guga” e Gustavo. Como sempre nos encontramos no Centro de Turismo, ponto tradicional de encontro do CEF e fomos até a rodoviária urbana onde pegamos o ônibus em direção a entrada da trilha. Após poucos metros em uma pequena mata, a caminhada passa a ser feita sobre a rocha, inicialmente sem inclinação, mas com o ganho de altitude também aumenta a inclinação. Quase toda a caminhada pode ser feita bem próxima as grandes moitas de mato o que minimiza qualquer risco de queda, com a rocha seca sempre aproveitamos para arriscar um pouco mais e subimos por locais mais expostos um pouco. Como nossa ideia era fazer rappel nas pedras do cume, tínhamos cordas e alguns poucos equipamentos, o que é bem útil nesta caminhada em casa de chuva. Após duas horas de caminhada tranquilas chegamos ao cume da pedra maior, com um visual incrível da cidade e região descansamos e curtimos o contato com a natureza. Nesta época tínhamos muita vontade em praticar o esporte e poucos equipamentos aliados a pouca experiência e quase nenhuma noção de segurança, esta foi uma época em que contamos muito com a sorte e por incrível que pareça ela esteve a nosso lado quase sempre. Bem, após uma pausa, um lanche resolvemos começar a “brincar” no rappel da pedra maior, fixamos as cordas nos antigos pontos de fixação do antigo cruzeiro que existia neste cume. Um a um fomos descendo, sempre de forma precária, não tínhamos Baudrier (cadeirinha), então improvisávamos com uma fita tubular, não tínhamos equipamento de rappel, então descíamos com um “Yosemite” (sei que muitos escaladores atuais nem sabem o que é, mas nós utilizamos dezenas de vezes durante anos, desenvolvendo até técnicas para não perdermos mosquetões na hora de desfazermos o aparato). Wandersom e Gustavo foram apenas para caminhada, mas eu, Japão e Junior aproveitamos para fazer pelo menos 2 rappeis cada um. Já satisfeitos com as descidas e depois de algumas subidas nesta montanha finalmente nos viramos para a pedra menor e resolvemos que faríamos um rappel de seu cume também. Para acessarmos este cume antes precisamos repetir uma via da década de 50 conquista do escalador Hermano Fontão, trata-se de uma via com 3 ou 4 grampos em artificial, uma travessia e outro artificial para se chegar ao cume da pedra. Após vencermos este lance eu retornei junto ao Junior para mandarmos a corda para Japão montar o rappel. Por algum motivo antes de jogar a corda para Japão eu conversei com Junior e o avisei que deixaria a corda fixada onde estava e não jogaria a ponta para a outra pedra, lembro que houve alguma hesitação, mas a ideia foi aceita. Jogamos a corda para a outra pedra distante uns 25 metros, o que não era problema, pois, com a corda de 50 metros teríamos corda exata para montarmos o rappel na pedra menor, vale lembrar que ambas as descidas são negativas. Japão ancorou a corda num antigo grampo fixado no cume da pedra, eu realizei a primeira descida e fiquei aguardando o próximo, mas para minha surpresa, Japão e Junior decidiram rappelarem juntos, até aí tudo bem, afinal não seria o primeiro rappel que faríamos assim, me virei e desci mais alguns metros pela trilha quando de repente vejo um vulto voando logo atrás de mim, sem saber o que tinha acontecido vejo os dois pendurados na corda já indo em encontro com a rocha onde fazíamos o rappel da pedra maior, alguns segundos se passaram após eles se chocarem com a rocha até que eles fizeram um sinal de tudo bem e terminaram a descida completamente assustados sem saber exatamente o que havia acontecido. Após uma segunda avaliação e tirando o grande susto constatamos que estavam bem e fomos ao cume da pedra saber o que realmente havia acontecido. O antigo grampo não aguentou o peso e se soltou. Neste momento nos entre olhamos e pensamos o que aconteceria se a corda tivesse sido tirada do outro ponto de fixação, sem saber e sem ter noção no momento em que resolvemos não desancorar a corda do primeiro rappel, evitamos um sério e grave acidente, pois, a queda de ambos seria de pelo menos 20 metros de altura. Passado o susto, ficou apenas a lembrança e o aprendizado.


Esq.: Wandersom "Guga", Paulo Braga Junior, Leandro Gama "Japão"
(ambos segurando o antigo grampo que se soltou) e André Rodrigues.


Como lembrança levamos a foto acima e o grampo que atualmente não sei por onde anda. Na foto acima e abaixo é ainda possível ver os poucos equipamentos que tínhamos na época, todos estes na foto pertenciam ao Centro Excursionista Friburguense quando de sua reativação em 1989.





Após o susto arrumamos nossos poucos equipamentos e nos
preparamos para a descida ainda "adrenados".


25 de novembro de 1990. Sebastião virou “Bruxo”. Menos de dois meses após termos passado por esse grande susto no Pico das Duas Pedras, marcamos outra excursão a este cume, desta vez além de mim, estavam presente Leandro Gama “Japão” que nesta época era o cara mais entusiasta do esporte na cidade, praticava o esporte com verdadeira prazer e emoção o que muito me incentivou e me levou a realizar muitas das escaladas e caminhadas que fiz neste período. Ainda completavam nosso grupo o jovem André Ghizi de Mello e Sebastião Santos Penna, ambos haviam ingressado no Centro Excursionista Friburguense havia pouco tempo. No dia anterior a nossa subida a pedra havia chovido um pouco o que claro sabíamos que dificultaria a subida, mas nem por isso desanimamos e como sempre nos encontramos e partimos para a caminhada. Logo notamos que a pedra tinha algumas manchas de água escorrida, mas seguimos pelo caminho que sempre fazíamos apenas nos desviando das manchas de rocha molhada. Depois de 1 hora de caminhada eu no auge de meus 16 anos de idade era o responsável pela caminhada e conversei com Japão e decidimos que começaríamos a usar as cordas deste ponto em diante, pois, estava perigoso devido aos vários veios de água escorrendo pela pedra e tendo em vista que Ghizi e Sebastião tinham pouca experiência precisávamos garantir a segurança dos dois. Tínhamos duas cordas e faríamos duas cordadas. Chegamos a um veio de água com mais ou menos 2 metros de largura, Japão foi o primeiro a transpor o veio e parou numa moita ao lado e começou a tirar uma das cordas da mochila, logo depois Ghizi parou a seu lado. Eu passei pelo veio sem problemas também e comecei a retirar a outra corda da mochila, Sebastião que vinha poucos metros atrás e usava uma das botas clássicas da época uma “Regazone” pisou no lugar errado e escorregou, escorregou, escorregou e não parava mais, no platô acima nós 3 nos olhávamos e não sabíamos o que fazer, ouvíamos Sebastião dando gemidos e gritos de desespero e não tínhamos o que fazer, depois de mais de 30 segundos de queda vemos uma grande moita cerca de 70 metros abaixo da gente se mexendo e logo depois Sebastião ficando em pé, me lembro que neste momento Japão deu um grito (Uhuuu) e perguntou se tinha sido legal que era para sair da frente que ele também queria descer, neste momento Sebastião levanta seus braços e não vemos mais sua blusa branca e sim todo um braço vermelho, escorria sangue de todos os lugares de suas costas, pernas e braços. Rapidamente entendemos a gravidade da situação e usamos as cordas para descermos até o local onde ele estava. Avaliamos a situação e começamos a descida sempre utilizando as cordas de apoio o próprio Sebastião precisava descer montanha abaixo, não tínhamos equipamentos, hoje, imagino a dor que ele deva ter sentido nessas duas horas que levamos de volta até o ponto de ônibus. Para os rappeis nas rampas iniciais usávamos a técnica Comicci, fico imaginando agora o sofrimento dele tendo que usar está técnica em seu corpo todo machucado. Por sorte ele estava de calça jeans o que com certeza o protegeu bastante. A cada parada para um novo rappel Sebastião soltava as duas frases: “Gato escaldado tem medo de água fria” e “desculpa gente, estraguei o domingo de vocês”. Tirando toda a seriedade da situação sempre ríamos dele nesses momentos e o acalmávamos dizendo que isso não importava. O que queríamos era leva-lo o mais rápido para o Pronto Socorro. Lembrem-se que nesta época os telefones celulares ainda não existiam então tínhamos que dar nosso jeito. E demos, pegamos o primeiro ônibus em direção ao centro da cidade, Sebastião estava em pé e pingava sangue de seus braços, algumas senhoras passaram mal dentro do ônibus com tal situação. Chegamos ao pronto socorro onde prontamente ele foi atendido. Enquanto ele era atendido ligamos para a família de Sebastião e avisamos do ocorrido, esperamos que eles chegassem ao hospital, ouvimos algumas indagações, demos explicações e terminamos nosso domingo com um alívio por nada mais grave ter acontecido.


Tempos depois e já recuperado Sebastião me contou que ao chegar na sala de curativos a enfermeira primeiro olhou e pediu a ele para tirar a camisa, depois de avaliar melhor ela disse para tirar toda a roupa, pois, precisaria fazer curativos em todo seu corpo. Ele me disse que foi bem dolorido e que precisou passar 15 dias praticamente deitado se recuperando do acidente. Para nossa alegria, após recuperado Sebastião retornou ao CEF e juntos fizemos grandes escaladas, mas agora não era mais o Sebastião que nos acompanhava e sim o BRUXO, apelido que ganhou após ter sobrevivido a esta queda de 70 metros. Em 03 de março de 1991, Bruxo fazia sua primeira escalada junto a mim, no Pico do Charuto e na Pedra do Cão Sentado e menos de um ano depois do acidente e quase como um presente de “segundo aniversário”, eu, Bruxo e Japão escalávamos pela primeira vez o Dedo de Deus.


15 de novembro de 1991, Sebastião "Bruxo" e André
Rodrigues durante escalada ao Dedo de Deus.

4 comentários:

  1. Respostas
    1. Você é que é meu orgulho filho !

      Excluir
    2. Maneira está lembrança, já de vão 27 anos...

      Excluir
    3. 27 anos que se passaram rápido "Bruxo"... Apesar disso ainda lembro de cada um destes momentos. Desde sua queda, nossa descida e também de nossas escaladas posteriormente, principalmente nossa primeira escalada ao Dedo de Deus. Espero te ver novamente nas montanhas. Grande abraço!

      Excluir