domingo, 2 de junho de 2013

A Cara da Morte - 2


O DIA EM QUE VI A CARA DA MORTE
(PELA SEGUNDA VEZ)

 

Na escalada já me deparei com muitos momentos de perigo, muitos momentos em que me expus ao risco além do limite permitido, mas com certeza um dos momentos que ainda me tiram o sono foi durante uma escalada a Via Visões Diferentes junto com um de meus grandes companheiros de escalada, Joel Novo. Novamente com Joel Novo o mesmo que em outubro de 1993 passei por outra situação similar.

 

Um pouco sobre a via onde ocorreu o incidente. Está via havia sido conquistada no dia 09 de abril de 1995 pelo próprio Joel e por Dinei Costa e contou ainda com a participação de Leandro Gama “Japão”.  A via fica no Pico do Edifício de Pedra, um dos gigantescos blocos de pedra existentes no Parque, bloco este que fica ao lado da Pedra do Cão Sentado e sempre havia passado desapercebido por grande parte dos escaladores, mas com a conquista desta via isso mudou um pouco. A via só contava com uma repetição até o momento e foi 2 dias após a conquista, repetição feita por mim e Leonardo Amorim da Silva. Nesta repetição trocamos a urna e o livro que haviam sido deixados provisoriamente pelos conquistadores.  Joel e Dinei foram os primeiros a escalarem o Pico do Edifício de Pedra (assim batizado pelo antigo administrador do parque, Altir Forny Xavier), que contava ainda com uma outra via iniciada por Japão e Márvio Klein de Oliveira e uma segunda via iniciada por mim que nunca levei adiante.

 

André Rodrigues no cume do Edifício
de Pedra, após a 1ª repetição da via,
dias antes do grave incidente
 


O dia do incidente.  No dia 18 de junho de 1995 pouco mais de 2 meses após a conquista da via e há praticamente 18 anos atrás eu e Joel partimos rumo ao Parque de Furnas do Catete para repetirmos está via novamente, queríamos que ela fosse frequentada e como as opções de escaladas na época ainda eram escassas em Nova Friburgo, uma nova via era muito bem vinda e queríamos repeti-la e divulga-la o máximo possível. Outro incentivador para repetirmos a é que Joel precisava retirar um friend que ficou agarrado na laca após a P1 e como tínhamos poucos equipamentos nesta época estava fazendo falta para outras escaladas. Depois de uma caminha de cerca de 25 minutos até a escondida base da via, nos equipamos e Joel começou a guiar a via, com lances em livres e o primeiro grampo alto a via requer uma atenção extra até que se faça a primeira costura, depois as proteções estão bem colocadas. Após os lances em livre vem um artificial fixo e um pequeno platô, onde Joel parou para me recolher. O grande problema deste platô de parada é que o grampo fixado nele era de 3/8”, ou seja, um grampo que naquela época já deveria ser intermediário estava em uma parada totalmente aérea há mais de 25 metros de altura de um piso cheio de bicos de pedras. Bem já não era a primeira vez que eu parava neste grampo e até este momento não me passou nada de errado quanto a isto. Acabei de passar todo o equipamento que havia recolhido para Joel e ele como queria guiar toda a via, não fiz questão deixei que ele completasse a via guiando a segunda enfiada. Antes de se soltar do grampo e fazer o lance lembro-me claramente dele falando: “ Este grampo de ½” está solto, preciso vir aqui para rebate-lo”. Sem problemas sabíamos que o grampos estava solto era só não forcarmos o grampo para fora da rocha, como trata-se de um lance em artificial onde se coloca um friend para se sair escalando em livre pensamos que não havia problema, pois, um metro acima do friend já havia outro grampo e o lance não é dos mais difíceis. Mas para minha surpresa e não entendo ainda, Joel fez pressão para fora na hora de subir no estribo para alcançar o friend que já estava na e voou... Instantaneamente olhei para o grampo de 3/8” que agora se tornara o único elo que me prendia, que prendia os quase 90kg de Joel em queda Fator 2 e nos separava de todos aqueles blocos de pedra que estavam 25 metros abaixo de nós. Para meu espanto e desespero vi o exato momento em que o grampo se entortou e encostou na rocha, quando olho para baixo Joel está rindo e dando saltos na pedra, eu desesperadamente grito com ele pelo menos umas 3 vezes mandando que ele se costure no grampo próximo a ele, acho que depois do segundo grito ele entendeu a gravidade da situação e se ancorou no grampo mais próximo e a meu pedido no de baixo também. Sinceramente precisei de alguns segundos para recuperar o fôlego e conseguir relaxar o suficiente para explicar a ele o que havia acontecido realmente. Depois disso: Rappelamos. E não pensem que após este acontecido paramos de escalar, ao contrário, após rappelarmos  a via e fomos repetir a Via Tradicional do Cão Sentado, ou seja, naquele momento preferimos não entendermos pelo que havíamos passado e preferimos continuar escalando como se nada houvesse acontecido.

 

Hoje 18 depois não é a primeira vez que me pego pensando neste acontecimento que eu encaro como uma das vezes que mais de perto vi a cara da morte e algumas conclusões precisam ser expostas:

 

1. Felizmente a escalada em rocha tem evoluído e hoje é praticamente regra que toda parada fixa seja com 2 grampos, principalmente se está parada for exposta ou o próximo grampo for separado por um lance muito longo ou difícil.

2. Felizmente o grampo de 3/8” estava muito bem batido e felizmente a solda do olhal também suportou o peso.


3. No dia 06 de agosto de 1995, Joel e Dinei retornaram a via e fixaram um novo grampo de ½” no platô, além de fixarem o grampo que havia soltado da rocha.

4. Hoje 18 anos após o fato ainda me pego pensando na gravidade deste incidente e que caso aquele grampo de 3/8” estivesse mal batido, tenho quase 100% de certeza que eu não estaria aqui escrevendo está matéria no dia de hoje. Tenho usado este incidente para melhorar sempre minha percepção de risco em todas as escaladas e por muitas vezes me peguei me intrometendo em cordadas de escaladores que eu nem conhecia direito, provavelmente alguns deles me agradeceram, outros podem ter ficado chateados pela intromissão, porém, tenho a certeza que sempre que necessário estarei me intrometendo, pois, nem sempre as pessoas conseguem perceberem certos detalhes que podem fazer toda a diferença entre a vida e a morte.

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